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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Observar a natureza

Observar a natureza

Robert Verpoorte, da Universidade de Leiden (Holanda), afirma em workshop do Biota-FAPESP que será preciso adotar paradigma de biologia de sistemas para reverter estagnação na descoberta de novos fármacos (foto: Eduardo Cesar)

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – O número de descobertas de fármacos vem caindo dramaticamente nos últimos anos. Para Robert Verpoorte, professor do Instituto de Biologia da Universidade de Leiden, Holanda, essa tendência só poderá ser revertida com uma completa mudança nas abordagens utilizadas para descobrir novas drogas.

Verpoorte participou, nesta quinta-feira (25/2), do Workshop Internacional Biota-FAPESP sobre Metabolômica no Contexto da Biologia de Sistemas, realizado na sede da FAPESP, em São Paulo. O evento tem o objetivo de reunir uma massa crítica de pesquisadores paulistas com pesquisadores de outros países na área de química de produtos naturais, a fim de incentivar a pesquisa colaborativa multidisciplinar.

"Essa colaboração poderá permitir que, finalmente, a vasta biodiversidade brasileira seja aproveitada para a busca de novos produtos naturais biologicamente ativos", disse uma das coordenadoras do evento, Vanderlan Bolzani, professora do Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da coordenação do Biota-FAPESP.

Segundo Verpoorte, além dos altos custos envolvidos, o principal fator responsável pela diminuição das descobertas é a abordagem reducionista, paradigma utilizado atualmente para o desenvolvimento de fármacos, fundamentado na busca de um único composto para cada alvo.

“Para reverter o quadro atual, seria preciso associar a utilização das mais modernas técnicas – incluindo a metabolômica, utilizada para a identificação e quantificação de todos os metabólitos em um organismo – com um resgate da abordagem baseada na biologia de sistemas, que era utilizada na medicina tradicional, por exemplo”, disse à Agência FAPESP.

A abordagem reducionista, segundo Verpoorte, tem foco no mecanismo de ação molecular, mas não considera todo o sistema em que essa ação está inserida. Já que os processos naturais em geral e muitas doenças – como o câncer, por exemplo – têm causas e respostas multifatoriais, é importante que a abordagem para a busca de novos medicamentos também seja sistêmica, isto é, que considere múltiplos fatores.

O curare – composto com ação paralisante intensa utilizado há milhares de anos por populações indígenas – é um exemplo de droga desenvolvida com base na biologia de sistemas. Segundo Verpoorte, a partir de um universo de 50 mil plantas, os índios conseguiram fazer a triagem de duas espécies que contêm produtos altamente tóxicos quando injetados, mas que são inofensivos quando ingeridos oralmente.

“Os índios foram capazes de desenvolver o curare porque sabiam observar a natureza e aprender com ela. A abordagem reducionista tenta explicar as observações como parte de uma hipótese de partida. Precisamos de uma abordagem que tenha foco na descrição das observações em si mesmas e não nos modelos”, afirmou.

Menos hipóteses e mais observação

De acordo com Verpoorte, cerca de metade de todas novas drogas são derivadas de produtos naturais. Mas o número total de descobertas tem caído demasiadamente. “As triagens são feitas em grande escalas, chegando a até 100 mil amostras por dia, utilizando alvos conhecidos. Mas não estamos desenvolvendo novos modelos de ação. Precisamos repensar o modelo de desenvolvimento de fármacos”, apontou.

Nas abordagens atuais, segundo Verpoorte, as hipóteses são estabelecidas para explicar as observações e frequentemente se tornam dogmas. “A observação é que precisa ser a base da ciência. Hoje temos ferramentas que possibilitam uma capacidade de observação imensa. Mas é preciso que essa informação seja armazenada em um formato padronizado para que se possa sempre recorrer a ela.”

A biologia de sistemas, segundo explicou, é uma abordagem baseada na observação e não nas hipóteses, o que abre as perspectivas para descobertas, com uso de análises multivariadas voltadas para revelar diferenças e correlações.

“Essa abordagem holística requer a observação dos organismos sob diferentes condições, a partir da consideração de todos os parâmetros possíveis, como o metaboloma, o proteoma, o transcriptoma e os dados fisiológicos. Temos que usar essas ferramentas científicas como extensões de nossos sentidos”, disse.

Para que a abordagem de biologia de sistemas associada às novas tecnologias impulsione a descoberta de novos fármacos, o armazenamento e a padronização de dados é um fator chave.

“A padronização e a validação são imprescindíveis para que a metabolômica obtenha resultados que possam ser reproduzidos e que, ao longo dos anos, sejam usados para mineração de dados. Mas ainda não temos uma base de dados de metabolômica de plantas em larga escala. Obter essa base de dados será algo muito difícil, principalmente por causa dos problemas de reprodutibilidade”, afirmou Verpoorte.

A construção de uma futura biblioteca de metabolomas de organismos coletados viabilizará a mineração de dados a partir de uma base que não tem o viés imposto pela abordagem reducionista, segundo o cientista holandês.

“Para conseguir isso, a ideia central é a colaboração. Precisaremos trabalhar juntos para unificar, padronizar, validar, combinar, armazenar e trocar resultados para uso de longo prazo no futuro. Construindo uma base de dados imparcial conseguiremos sair da estagnação na descoberta de novos fármacos”, disse.
Fonte:Agência FAPESP- http://www.agencia.fapesp.br/materia/11815/especiais/observar-a-natureza.htm

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