A celeuma sobre a presença de resíduos de agrotóxicos no suco de laranja brasileiro, colocado em dúvida pelas autoridades sanitárias dos Estados Unidos, é emblemática para a discussão sobre a contaminação de alimentos por esses produtos. A presença irregular de resíduos de agrotóxicos em produtos agrícolas destinados à exportação implica em prejuízo para o agricultor brasileiro, com a devolução ou destruição do produto pelo país importador.
O agrotóxico, por definição, é um produto aplicado para matar e a linha que separa os efeitos benéficos de eliminar uma praga e os efeitos maléficos, que podem levar um ser humano à morte, é muito tênue. Por isso, esses produtos químicos têm alvos biológicos e mecanismos de ação bem definidos.
Só são autorizados se forem eficazes no combate a pragas específicas, sem destruir o alimento tratado, nem deixar resquícios em quantidades tóxicas para os consumidores. Isso porque os agrotóxicos estão associados ao desenvolvimento de alterações hormonais, de doenças do sistema nervoso central, de doenças respiratórias, de lesões hepáticas, de câncer e tantas outras enfermidades graves identificadas nos ensaios realizados em animais de laboratório e em culturas de células e tecidos. Tais ensaios têm constituído um excelente mecanismo para impedir possíveis agravos, prevalecendo-se das similaridades entre processos biológicos bem selecionados.
Nos últimos quatro anos, segundo dados das próprias indústrias do setor, o Brasil assumiu o posto de maior mercado de agrotóxicos do mundo. Mesmo assim, o caminho a ser percorrido para alcançarmos os níveis de controle que os países desenvolvidos exercem sobre essas substâncias ainda é muito longo.
Nesse cenário, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determina o limite máximo de resíduos de agrotóxicos em alimentos e a quantidade total de cada agrotóxico que pode ser ingerido diariamente pelas pessoas, sem que haja risco para sua saúde. São esses os parâmetros avaliados pelo tão criticado Programa de Avaliação de Resíduos de Agrotóxicos da agência.
O programa funciona a partir da coleta de amostras de alimentos pelas vigilâncias sanitárias dos Estados e municípios em supermercados. Depois de coletados, os alimentos são encaminhados para laboratórios, onde se verifica a quantidade de resíduos de agrotóxicos em cada uma das amostras.
Entretanto, um movimento silencioso, com a sutileza de fazer inveja ao estouro de uma manada de elefantes, tenta, cotidianamente, desqualificar os resultados do programa. A dúvida sobre a avaliação de resíduos de agrotóxicos em alimentos, que é publicada anualmente pela Anvisa, traz uma notável distorção e desinformação dos fatos, com flagrante desrespeito ao mesmo tempo à lei e à ciência.
As atividades da Anvisa, nesse campo, têm o compromisso da transparência de seus atos em respeito à sociedade e no cumprimento de seu mandato de proteger a saúde humana com base na legislação nacional e nos conhecimentos científicos e tecnológicos mais atualizados da comunidade científica internacional.
As referências para a conformidade dos parâmetros medidos são divulgadas em rótulos e bulas e na página na internet dos organismos registradores de agrotóxicos: Ministério da Agricultura, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Anvisa. São os mesmos procedimentos praticados pelos países desenvolvidos, muitos dos quais abrigam as matrizes das indústrias de agrotóxicos, que estão instaladas no Brasil.
A segurança da qualidade dos alimentos se baseia nos conhecimentos científicos e na observação dos efeitos tóxicos, agudos e crônicos que os resíduos de agrotóxicos podem gerar nas pessoas. Se o responsável pela emissão da receita agronômica ou o próprio agricultor utilizar um agrotóxico em um alimento para o qual aquele produto não foi autorizado, o ato se qualifica como ilegal e a ingestão diária segura pode ser ultrapassada. Isso resultará em prováveis danos à saúde do próprio agricultor e do consumidor.
Os efeitos agudos dos agrotóxicos aparecem nos trabalhadores rurais que os manipulam (preparadores de calda e aplicadores) e em pessoas que vivem ou trabalham nas imediações das áreas tratadas. A literatura científica constata que as doenças crônicas ocorrem em pessoas que se expõem a pequenas doses durante um tempo prolongado, como no caso de consumidores que ingerem alimentos com pequena quantidade de agrotóxico por um longo período de tempo.
Como agência reguladora da saúde, a Anvisa tem a obrigação de divulgar as informações sobre os riscos relativos à exposição a agrotóxicos. Essa informação é uma poderosa ferramenta de cobrança para que os atores envolvidos adotem medidas de correção dos problemas diagnosticados.
A Anvisa não compactua com atores que, irresponsavelmente, estimulam a omissão dos dados com o intuito de desacreditar toda a cadeia envolvida na avaliação dos resíduos de agrotóxico. Não dá para a volta da velha política de “o bom a gente mostra e o ruim a gente esconde”. Esse tipo de omissão só favorece aqueles cuja atuação, neste campo, se caracteriza pela política do avestruz e pelo não cumprimento da legalidade, que é o princípio fundamental em um estado democrático e de direito.
O respeito aos consumidores, em qualquer parte do mundo, é dever dos estados nacionais. Por isso, a Anvisa busca sempre aprimorar os instrumentos de avaliação dos agrotóxicos e de seus resíduos nos alimentos, para que não haja diferença entre os produtos levados à mesa do consumidor brasileiro e aqueles destinados à exportação. Os direitos do consumidor são atributos de cidadania e respeitá-los não é nenhum ato de favor ou concessão das autoridades públicas. É, isto sim, reconhecimento de uma conquista histórica da sociedade brasileira.
José Agenor Álvares da Silva é diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2007 e foi ministro da Saúde entre 2006 e 2007
Artigo originalmente publicado no Valor Econômico e socializado pelo ClippingMP
EcoDebate, 24/02/2012
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